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O Mecanismo por trás da narrativa

Seja de forma consciente ou com boas intenções, sempre tem alguém dando o diagnóstico errado para um problema verdadeiro. É o caso de José Padilha na série "O Mecanismo".

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Selton Mello em "O Mecanismo"

Uma meia-verdade é sempre um caminho perigoso em direção a uma mentira completa. E não é incomum que pessoas e grupos se utilizem da existência de problemas verdadeiros para vender soluções falsas. Existem pessoas imersas em situações de extrema pobreza que precisam de ajuda material para satisfazer suas necessidades mais básicas, e a esquerda se utiliza disso para defender algumas das bandeiras mais opressoras e perversas que o homem já imaginou.

O Brasil enfrenta uma situação gravíssima de insegurança pública, sem precedentes na história nacional, e muitos se aproveitam desse problema para implantar o desarmamento da população civil. E não são poucos os que se aproveitam da corrupção enraizada no estamento burocrático para defender as soluções mais estapafúrdias.

Seja de forma consciente ou com boas intenções, sempre tem alguém disposto a dar o diagnóstico errado para um problema verdadeiro. É o caso, por exemplo, do diretor brasileiro José Padilha na série “O Mecanismo”.

Tomando como pretexto a Operação Lava-Jato e a comprovação da corrupção quase generalizada que se instalou nas mais altas esferas do poder no Brasil, Padilha e sua equipe de roteiristas tentam emplacar uma narrativa para explicar as causas do problema que pode ser bastante persuasiva ao público em geral, mas que não se sustenta após uma análise mais prudente das informações e provas que temos à disposição. No oitavo episódio, Marco Ruffo (Agente da PF interpretado por Selton Mello), um dos principais personagens da trama, dá voz aos produtores e explicita a visão da série sobre o problema da corrupção no Brasil:

“Seu João, Alfredo, Ibrahim, João Pedro Rangel, Mário Garcez Brito…todos doentes. O câncer é uma doença causada pela falha da regulação do crescimento de células no corpo. Quase todos os casos são provocados por fatores ambientais. Ele pode se espalhar do local original e atingir todo o corpo. É o que a gente chama de “metástase”. Mesmo com todos os tratamentos existentes, o câncer luta para continuar existindo. E, na maior parte das vezes, ele vence. Quando não existe um entendimento exato de como uma doença funciona e por onde ela pode se espalhar, não tem como chegar na cura. Essa é a minha missão: decifrar o mecanismo. […]

[…] O mecanismo tem o mesmo padrão dos fractais. Uma coisa infinita. Infinita… É um modo de funcionamento que se auto-alimenta. E expele e cospe o que não faz parte. O mecanismo está em tudo, você entende? Em tudo. Do Governo Federal ao Seu João. No macro e no micro, é um padrão. O poder econômico e os agentes públicos, eles agem juntos. Os políticos nomeiam as diretorias, que dão as obras pros empreiteiros. Sempre os mesmos. Eles superfaturam e devolvem o dinheiro, parte do orçamento, pros políticos, pros diretores, em forma de propina. É um sistema que se autoperpetua.

Você entende? Da Petrobrasil à Sanesul, da Miller & Bretcher ao Seu João, do Ibrahim ao Alfredo. O mecanismo está em tudo. No flanelinha que recicla talão, na carteira falsificada pra pagar meia-entrada, no suborno pro guarda aliviar da multa…e os ricos mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. Não tem partido. Não tem ideologia. Não existe esquerda ou direita. Quem está no governo tem que botar a roda para girar, é um padrão. Isso elegeu todos os presidentes, todos os presidentes, até hoje. Quem não adere, não vinga. Você entende? Tudo… Tudo é o mecanismo. Tudo. “

Poderia ser uma fala do pseudo-filósofo Leandro Karnal, mas é do personagem mais relevante da série. E esse trecho diz muito sobre “O mecanismo”, sobre a idéia geral da trama. Logo de cara fica explícita a tentativa de encontrar uma explicação abrangente e impessoal para o problema da corrupção brasileira. É um “câncer” que quase sempre é resultado de “fatores ambientais” e que se espalhou por todo lado, deixando muitos “doentes”. Entre os enfermos citados estaria um doleiro, um diretor da Petrobrás e um ministro da Justiça, todos seriam vítimas dessa terrível “metástase”. O problema então seria muito mais resultado das circunstâncias e do ambiente do que das pessoas que efetivamente participaram do esquema.

Depois o personagem continua a descrever o “mecanismo” como “uma coisa infinita”, que se “auto-alimenta” e que está em tudo. E segue explicando que não tem muito como escapar dele, afinal de contas, “isso elegeu todos os presidentes até hoje” e “quem não adere, não vinga”. E avança para uma idéia ainda mais estapafúrdia, embora muito utilizada ultimamente: o nivelamento entre os pequenos delitos e os assaltos de bilhões de reais das contas públicas.

Nessa visão não existe senso de proporção, não existe contexto, mas apenas um nivelamento rasteiro que só faz algum sentido na clave meramente discursiva. Subentende-se que o cidadão que falsifica carteirinha de estudante para ganhar meia-entrada é tão corrupto quanto o Lula. A única diferença entre eles talvez tenha sido que um teve mais oportunidades de se beneficiar do “mecanismo” do que o outro, como se a única causa da corrupção fosse a ocasião.

Marco Ruffo ainda resume: “não tem partido”, “não tem ideologia” e “não existe esquerda ou direita”. Ou seja, a corrupção seria apenas uma cultura de desonestidade que vigora no país e serve apenas a objetivos financeiros, serve apenas para enriquecer ilegalmente os privilegiados. Nada mais conveniente à esquerda. É uma tentativa de apagar as motivações ideológicas e os objetivos últimos do Partido dos Trabalhadores e de suas linhas auxiliares. Mais uma vez o socialismo não foi seguido, mais uma vez os líderes revolucionários que ascenderam ao poder acabaram se corrompendo com a estrutura podre que já estava lá antes deles chegarem.

No fundo, o “mecanismo” é apenas uma reedição de luxo (com capa dura) do bom e velho “sistema” – uma narrativa que perdeu força depois que a esquerda ascendeu ao poder, depois que eles passaram a “fazer parte do sistema”. Agora ela retorna talvez com ainda mais força por se utilizar de uma situação real e muito presente no Brasil dos nossos dias.

Existe sim um esquema de poder que tomou conta do estado brasileiro, mas ele não surgiu de repente como um câncer e tampouco é uma máquina autossuficiente.  O esquema foi criado e aprimorado por grupos e pessoas, e não é uma causa natural de pequenos deslizes do dia a dia. Ninguém começa furando fila ou dando “bola” ao guarda e acaba comprando o Congresso inteiro.

O esquema tem nome, sobrenome e partido. Lula, Temer, Aécio, Dirceu, Calheiros, Odebrecht, PT, PMDB, OAS, Youseff, PP… E tem início, método e objetivos bem claros.

Existem sim aqueles que estavam no esquema apenas para enriquecer, mas estes não lideravam a quadrilha. Os que arquitetaram um esquema tão complexo e abrangente tinham em mente que o poder é muito mais importante que o dinheiro, e queriam utilizar esse poder para objetivos bem mais ousados e significativos do que o mero enriquecimento ilícito.

O esquema desvendado na Lava-Jato era prioritariamente ideológico. O PT utilizava-se dos partidos e políticos fisiológicos para se manter no poder, avançar sua agenda ideológica e auxiliar financeiramente o projeto revolucionário da “Pátria Grande”. Lula e cia não foram corrompidos por um sistema capcioso e perverso. Eles aproveitaram a existência de ladrões e esquemas na política nacional para criar um novo esquema, maior e com objetivos bem mais amplos. O fato dos petistas terem surrupiado uma parte do roubo para benefício pessoal não exclui a motivação ideológica do esquema.

Reduzir o “Petrolão” a mero efeito de um sistema impessoal que começa no adolescente que rouba balinhas no mercadinho da esquina e termina no roubo de bilhões é tanto ridículo quanto inadmissível. E o pior é que essa narrativa tem ganhado cada vez mais adeptos, sendo repetida até mesmo por políticos comprovadamente anti-establishment.

É difícil mensurar as intenções dos produtores da série e o nível de compreensão que eles têm dos possíveis efeitos que essa narrativa pode ocasionar, mas isso pouco importa. O que é de fato relevante é que “O Mecanismo” foi um sucesso gigantesco de público no Brasil e fez a cabeça de muita gente. Basta observar as discussões políticas internet afora para constatar que embora o mecanismo descrito por Marco Ruffo seja mera ficção, o termo “mecanismo” se tornou uma realidade presente no debate nacional.

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Sávio Mota

Sávio Mota é Diretor do Instituto Borborema, jornalista e assessor de marketing. http://institutoborborema.com/

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