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Je suis Charlie

Pais de Charlie Gard desistem da luta pela vida do bebê

O bebê inglês Charlie Gard, que poderia fazer tratamento na América com ajuda do papa e de Donald Trump, sofreu danos irreversíveis.

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Charlie Gard e família, no hospital

O bebê Charlie Gard foi diagnosticado com uma doença mitocondrial rara, que enfraquece os músculos e causa danos cerebrais. Pouca atenção foi dada a ele na imprensa brasileira, mas em sua Inglaterra natal e no mundo o caso do bebê chamou atenção até mesmo do papa e de Donald Trump: seus pais conseguiram fazer uma vaquinha para um tratamento experimental na América, mas a Justiça inglesa, baseando-se em decisões médicas, determinou que os aparelhos que mantinham o bebê vivo deveriam ser desligados.

Não se trata mais nem dos já famosos casos de aborto ou eutanásia: não era uma discussão sobre aborto, nem sobre desligar aparelhos para uma morte em nome do fim da dor, mas um caso em que testemunhamos o poder do Estado decidindo quem deve viver e quem deve morrer, passando por cima da vontade da família e mesmo de qualquer desculpa sobre “dignidade” e “sofrimento” – os pais, afinal, conseguiram dinheiro para o tratamento experimental de Charlie Gard em outro país, mas a Justiça inglesa simplesmente impediu até mesmo o teste.

O caso foi quase ignorado no Brasil, com exceção da Gazeta do Povo e deste Senso Incomum, que montou guarda pela vida de Charlie Gard. Donald Trump chegou a oferecer cidadania americana para que o bebê inglês fosse tratado na América. O papa, em um pronunciamento, também ofereceu ajuda para o bebê.

No último momento antes de ter os aparelhos desligados, uma junta médica deu um segundo parecer, dando mais alguns dias de vida para o pequeno Charlie Gard. Um outro médico americano consultado, que conhece o tratamento experimental, definiu que o bebê tinha mais de 60% de chance de recuperação, em um tratamento cujo percentual é de 10% (já consideravelmente alto para tratamentos experimentais).

Entretanto, a família Gard ainda precisava de autorização de uma Corte britânica, e os juízes estavam ainda receosos de liberar Charlie Gard para sair do  Great Ormond Street Hospital, mesmo com “peso no coração”, preferindo sentenciar o bebê à morte. A CNN preferiu avisar que o hospital “recebe ameaças de morte”.

Hoje, a família Gard declarou através de seu advogado, Grant Armstrong, que a luta pela vida do pequeno Charlie chegou ao fim. Testes recentes no bebê de 11 meses confirmaram que, com todo o vai e vem, Charlie Gard sofreu danos musculares irreversíveis. “É tarde demais para Charlie”. A família agora deseja passar o máximo de tempo possível com Charlie.

Como lembrou nosso leitor José Augusto, os médicos podem ter feito uma diferenciação entre a ortotanásia, que consiste em lutar para manter o conforto e a dignidade do paciente, e a abominável distanásia, “que consiste em manter o tratamento e a vida do paciente a qualquer custo, mesmo sabendo que não há benefício real para o paciente, obstinando sua cura impossível”. Mesmo assim, conclui que há um erro brutal: a decisão cabe aos pais, e não a uma Corte, definindo quem vive e quem morre, como foi o caso de Charlie Gard.

Não houve clamores de feministas, tão ávidas a lutar pelo “direito” do aborto, em falar um A sobre Charlie Gard. Nem de ninguém que “marcha pela ciência” ou defende que a técnica substituiu a ética na sociedade moderna.

Em tempo: Charlie Gard foi vítima não apenas de uma decisão pontual, mas do sistema de saúde socializado inglês, criado pela Sociedade Fabiana, do qual projetos como o SUS e o Obamacare são irmãos mais novos. Se o Estado paga pela saúde, e não a família, é o Estado que define se vale a pena (se há “dignidade” ou, oh, horror, “utilidade”) em uma vida humana. É uma das tristes lições que a medicina soviética nos ensinou.

Como escreveu nosso colunista Mateus de Castro, O Papista:

Os pais de Charlie Gard não ‘desistiram’ de tratar seu filho. Foi o mundo que desistiu de lutar pela vida; que desistiu de deixar o homem escolher o seu caminho; desistiu de permitir que os pais escolham como criar seus filhos; e decidiu cometer suicídio moral. O que se segue é a servidão. A servidão do pecado leva à servidão prática.

Após inúmeros ciclos da dor, o povo pediu um rei (1Sm 8,5). Pediu pelos motivos errados. Pediu porque havia se afastado de Deus e caía no pecado e na dor. Em desespero, ao invés de ratificar a Aliança com o Senhor, eles pedem um rei “como todas as nações”.

Assim faremos hoje. Esgotados pelos próprios erros, ao invés de nos desfazer do pecado, pediremos por um falso “salvador”. O que seguirá é um desastre depois de outro. Trocaremos a liberdade pela mão forte que prometer retirar de nós a responsabilidade pelos nossos atos e nos entregar migalhas.

Trocamos um Salvador pelo Estado, e este Estado está sedento de sacrifícios.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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